30/11/2010

TRANSCENDENDO A MORTE

Relacionar-se com a morte é extremamente difícil em nossa cultura, pois nos é transmitida, de forma subliminar a mensagem de que a morte é uma espécie de fracasso em nossa capacidade de viver e também que a vida é o bem mais precioso. Com isso, deixamos de aprender que existem valores maiores que a vida como, por exemplo, a fidelidade aos nossos princípios. Assim, quando a morte se aproxima de uma forma definitiva de uma pessoa, ela se sente como se houvesse sido derrotada. Para evitar esse tipo de sentimento muita gente, ao envelhecer, desiste de valorizar a vida e se entrega a uma atitude negativa quanto ao futuro. Enquanto muitos dos que não fazem isso, se sentem humilhados frente à perspectiva de morrer.

Há alguns anos tive a oportunidade de conviver com uma mulher extraordinária que estava morrendo. Os médicos lhe disseram que ela teria poucos meses de vida. Ela resolveu então me procurar como terapeuta para ajudá-la a conviver com a proximidade da morte. Hesitei em atendê-la pois acreditei que iria me afeiçoar a ela e sofrer com sua perda, mas me decidi a enfrentar o desafio. Passamos por momentos difíceis, porém foi uma experiência compensadora por tudo o que vivi e aprendi.

Toda minha vida eu acreditara que a melhor maneira de morrer seria a morte súbita, sem aviso e sem aflição. Ao atender esta mulher, descobri a riqueza de possibilidades que reside no fato de saber que se vai morrer em breve. Conversar com um amigo consciente de que esta será a última vez em que se vai encontrá-lo, ir aos poucos aceitando a realidade da doença e a fatalidade da morte inexorável, conquistar a tranqüilidade de saber que não há mais nada a se fazer, nenhuma luta a ser travada e poder desfrutar dessa serenidade, foram coisas que pude testemunhar durante o ano e meio em que, semanalmente, me encontrei com minha cliente, enquanto aguardávamos a chegada do momento final. Aprendi que uma morte lenta, vivida com intensidade, com a alegria oferecida pela possibilidade de se despedir calmamente de todas as pessoas queridas é um privilégio tão maravilhoso quanto a própria vida em si. Hoje sei que há algo de transcendental em sairmos deste mundo para deixar espaço para os que virão, e que deixar uma descendência, filhos e netos, é uma forma de aqui ficarmos durante um pouco mais de tempo. Focalizar nossa atenção e nosso amor nos outros é uma maneira sadia de administrarmos a consciência de nossa fragilidade e a vivência de nossa inevitável finitude.

Um comentário:

Zu disse...

Ainda prefiro a morte súbita.
Não tem dor maior do que saber que vamos morrer brevemente.